sábado, 23 de abril de 2011

Detiveram-se 'calados' os nossos passos

"Detiveram-se os nossos passos, às tuas portas Jerusalém..."

A atitude de estupefação diante de um evento surpreendente deixa geralmente o homem em atitude de abrandamento de ritmos, paragem contemplativa, ... diante de um Belo calam-se geralmente os ritmos acelerados, numa lentidão de passos para permitir que a percepção se sacie e se deixe revolver e extasiar no que a transcende.

Dizia Wittgenstein que sobre que "aquilo que não se pode falar, deve-se calar". O filósofo aqui tem quase razão - o que nos transcende é maior do que a nossa linguagem; de facto, quando falamos de algo que é maior do que nós, todas as nossas afirmações são heréticas - são heréticas por sempre truncarem parte de um dado maior nos limites da afirmação quer linguística, quer existencial. Sócrates, o grego, teve esta mesma consciência - por isso apelou à humildade como condição que para que o conhecimento possa crescer. Só quem se coloca na atitude de querer dominar o que o transcende é que pode pretender assim afirmar dono da Verdade.

Mas também como é que se nos dada a percepção do transcendente, nos temos depois de nos remeter a um silêncio castrante, e deixar a nossa existência hermética diante de um transcendente?! A tradição católica designa esta atitude de Temor de Deus. Então, não será que o surgimento do Belo diante da percepção limitada do homem não haverá de marcar a consciência do homem com a Esperança na reverância que o sustente na sua acção?!

Dostoievsky dizia que a Beleza salvará o mundo. Tem razão. A Beleza que não será apenas a dos altos muros erguidos, ou dos mais rebuscados pináculos góticos de uma titânica catedral, mas aquela que está presente no rosto de cada um. É na dignidade da pessoa que a beleza resplandece de mais nítida. Mas pode um rosto ferido e desfigurado "deter os passos" apressados?

Pode. Pode quando nos percebemos que Aquele, de quem somos à Imagem, está no lugar que nos pertenceria - o de termos que sofrer pelo mal que nos flanqueia e que nós também flanquemos.
Pode. Pode vemos que o sofrimento faz também parte da nossa existência, e que esse mesmo sofrimento se torna também redentor dos homens por serem oportunidade abertas a perceber a contingência pessoal, que é atenuada no rosto de outro contingente.
Pode. Pode quando percebemos que o rosto mal-tratado se tornou vivo, numa abundância de vida que surpreende e que se tornou presente em cada um. Mas esse outro já não é contingente, mas sim Absoluto, e que o lugar que ocupa afinal existia em nós, ainda que nós não o sabessemos e não sabermos. Mas sabemos que ocupa. E por isso ficamos calados.