sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Como o raiar da aurora

 



Eis que como o raiar da aurora,

o Senhor se faz presente em cada Natal,

num presépio, sinal humilde e forte,

iluminador da vida e vencedor da morte.

 

Eis Jesus, o menino Deus

sinal frágil do Omnipotente

em cujos braços abertos de amor

age o dedo de Deus criador.

 

Eis Cristo a nascer no meio de nós

e cruzar os nossos caminhos, Ele vai,

a ensinar-nos a viver na justiça do perdão

para podermos tratar o Seu por Nosso Pai.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Eutanásia - A má morte

São Miguel, Catedral de Granada. O anjo do juízo de Deus. 

A aprovação da eutanásia hoje no parlamento português (29-01-2021) traz ao de cima o jogo político. Se na anterior legislatura se chumba porque não há maioria, hoje faz-se a aprovação porque há maioria para isso. Como tal, tudo se reduz a uma questão de maiorias e assim. Aliás, se quisessemos levar a sério a dimensão de representatividade dos deputados, poderíamos concluir que a opinião da maioria dos portugueses mudou diametralmente em 3 anos. São realidades como estas que mostram, que mais do que a representação dos deputados, existem forças que impõem ideologias sempre que podem. Mas diz uma cantiga recente: "a maioria não está sempre certa".

Esta lei traduzir-se-á no provocar da morte a quem se encontre em sofrimento dito insuperável, a pedido do próprio. Reparemos que não é deixar que a morte aconteça, evitando a obstinação terapêutica, mas com um pedido voluntário do próprio ao médico, com mais ou menos etapas este provoca a morte. Esperemos que não deslizemos, como já aconteceu noutros países, para situações em que os médicos "adivinham" o pedido da pessoa, "que nesta situação já só poderia querer a eutanásia", nem fomentemos - e isto irá acontecer - a pressão que sujeita os menos capazes e que pesam à família para alegar um sofrimento psíquico grande para terminar com a própria vida. As leis configuram a sociedade e esta lei acentua a vida humana na lógica da utilidade. Como se sentirá um idoso abandonado pela família, como ouvíamos ainda recentemente? 

Com efeito, a eutanásia torna a vida numa lógica de utilidade, quando ela de facto é um dom. Tal como ninguém pede para existir, a ninguém é lícito pedir para morrer. Que direito tem um Estado que aceita a morte a pedido de uma pessoa de impôr hábitos de vida saudável?!

Por outro lado, que legitimidade tem um Estado que não tem os meios para suportar todos os seus cidadãos em sofrimento insuportável, aprovar uma legislação que permita pôr fim à vida de quem está em sofrimento? 

É certo que a eutanásia é antes de mais uma questão civilizacional do que uma questão religiosa. Como tal os argumentos que temos de apresentar são do foro racional e tentar evidenciar a sua contradição interna. Mas neste processo, existe um dado que salta à vista, que é o facto desta proposta de lei ser encabeçada por quem se diz católico. 

É dado básico da teologia que fé pressupõe a razão e a fé alarga a razão. De facto, Cristo coloca a fé como uma forma de conhecimento de Deus (cf. Jo 17, 3), o mesmo Cristo que revela que não vem revogar o Lei, mas aperfeiçoa-la (Mt 5, 17). E na Lei de Deus, e no Evangelho de Cristo a vida só a Deus pertence; aliás, o cristão é aquele que sabe que a sua vida não vem de si, mas como Cristo, vive para ser amado por Deus e cumprir a Sua vontade (Jo 4, 34). 

Na própria bíblia existem relatos em que o próprio crente, diante do sofrimento, chega a deseja a morte, como é o caso de Job. Mas é também claro, que não descurando os dramas humanos, o homem crente acaba por reconhecer que a sua vida vem de Deus e para Ele volta.  

Como tal, se na razão facilmente podemos esgrimir argumentos de pós e contra a eutanásia, na fé católica não há dúvidas de que a vida é um dom de Deus, que não pertence à pessoa decidir pôr um fim à sua vida. É por isso aliás, que no último documento da Congregação para a Doutrina da Fé, Samaritanus Bonus, aprovado pelo Papa Francisco, no número 11, se recusa o acesso aos sacramentos, especificamente da Penitência e da Unção dos Enfermos, para quem ser eutanasiado. Não porque a Igreja decida castigar a pessoa, mas é a própria que exclui Deus da sua vida com a sua decisão, na qual o Deus de Jesus Cristo não é o seu deus. Isto não iliba, contudo a Igreja, de sempre se fazer próxima com os meios da misericórdia e de propor a alegria da conversão, como o próprio documento refere. 

Não haja dúvidas. Se pela razão se pode considerar a objectividade da vida como discutível, na fé a rejeição da eutanásia é clara. É por isso, que temos de dar suporte racional ao que Deus revela pelas Sagradas Escrituras. Dito isto, como pode alguém que se diz católico ser promotor de uma lei como a eutanásia que contradiz a fé?!  

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Habitua-nos



Vem salvador do homem
Vem habitar connosco
E habitua-nos a estar contigo!

Vem Menino de Deus
Vem brincar connosco
E reacende em nós a alegria

Vem olhar eTerno
Vem ser luz para nós 
E recria-nos no cuidado de ti

Vem Palavra de Deus
Vem semear a paz
E desarma as nossas mãos
Para te alcançarem nos irmãos. 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Um olhar global para a Encíclica Fratelli Tutti: Uma visão política e social inspirada em valores cristãos

 


 O Papa Francisco lançou no passado dia 3 de Outubro a encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e amizade social. É um texto em que o Papa continua a reflexão social da Laudato Si, desta vez colocando o enfoque sobre a construção da paz entre a humanidade, cuidados e realidades a ter em conta neste processo. Considerando que a primeira Encíclica - Lumen Fidei - nasce do trabalho do seu antecessor Bento XVI, percebemos como Francisco insiste nos temas da doutrina social. 

Não se trata de um texto dogmático, ou de desenvolvimento teológico, salientando-se a figura do Bom Samaritano como modelo para convidar e interpelar a humanidade a sair de si. É um texto que tem raízes no diálogo inter-religioso com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, nomeadamente no documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, assinado em Abu Dhabi a 4 de fevereiro de 2019.

Fazendo o diagnóstico da sociedade, Francisco identifica as exclusões sociais, a falta de consciência histórica, os perigos da globalização, a falta de sabedoria num mundo de informação como dramas do nosso tempo.

A maior parte do texto é sobretudo de carácter político e social, na medida em que reflecte sobre a forma de organização do poder e da sociedade para combater a exclusão lembrando a pertença à mesma humanidade, à mesma família humana. É neste horizonte que coloca a fraternidade universal, inspirando-se em S. Francisco de Assis. O Papa coloca a necessidade do acolhimento do estrangeiro, alerta ao ressurgimento de realidades que oprimem aquele que é diferente, denuncia a tendência actual para homogeneizar a cultura. Se é verdade que o conflito é realidade que acompanha a natureza humana (cf. nn. 237-240), a família humana é convidada a descobrir a unidade que o amor promove. Por isso o Papa apela a toda a humanidade ao acolhimento do outro por si, naquilo que cada um é, dando-lhe espaço para a sua liberdade e evitando que a humanidade caminhe para um uniformismo. A imagem que o Papa usa para sonhar a sociedade é a do poliedro, que já tinha surgido na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho (n. 215), colocada assim como paradigma para criar uma sociedade heterogénea mas sem excluídos.  

O Papa sublinha que toda a transformação da sociedade é realidade que começa no coração de cada um, o qual é marcado pela fragilidade que leva ao egoísmo, e que com a ajuda de Deus é possível ser "dominada" (n. 166). Como já referi no início, o texto não trata em profundidade categorias teológicas, pelo que, por exemplo, não encontramos qualquer referência a termos como "salvação" ou "redenção" ou "Santíssima Trindade". 

Atravessado pela marca do diálogo inter-religioso, assinala-se que as religiões têm todas um contributo para dar à humanidade, pela sua abertura ao transcendente, e que «sem uma abertura ao Pai de todos, não podem haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade.» (n. 272). 

É um texto marcado pelo estilo de Francisco, e por isso bastante distinto dos seus antecessores, cujas encíclicas sobre a doutrina social tinham uma maior pendor  teológico - João Paulo II, na Sollicitudo Rei Socialis e Bento XVI, na Caritas in Veritate; nesta encíclica, a reflexão é feita predominantemente a partir da categroria humana, mesmo na leitura da figura do "bom samaritano" e como tal não se coloca tanto num texto de leitura para "inteligência da fé", mas para um diálogo aberto com a sociedade. Creio que também terá sido por esta metodologia que o texto foi recebido com desagrado nalguns ambientes eclesiais como um texto próximo da maçonaria. Todavia, penso ser um texto que nos exorta a ter consciência do pluralidade do nosso mundo, e creio que nos chama a viver a fé no respeito pelos demais, sem que com isso nos dispense de testemunhar e anunciar o Evangelho. A tentação de neste texto ver apenas um humanismo seria redutor da Tradição da Igreja; bem sabemos que em nome de humanismo se cometeram e cometem algumas das maiores atrocidades da história da humanidade. 


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Sobre Job

 

À vida que desaba
não te deixes esmorecer;
o caminho que trilhamos 
não termina ao morrer.

São passos pesados de dar,
Mas o caminho é feito devagar;
e mesmo na maior solidão
Deus guia-nos na missão

A fidelidade é caminho estreito
Onde a felicidade cresce devagar;
mas onde a confiança é o alicerce 
da entrega que sequer renovar.


sábado, 1 de outubro de 2016

Domingo XXVII Ano C

A liturgia deste Domingo XXVII faz-nos mergulhar na raiz da vida cristã, perguntando-nos pela nossa semente de fé. A fé é um dom que todos recebemos; é o que nos faz ser o que somos e quem acreditamos ser; por isso, nasce da revelação dos outros, do que recebemos e escolhemos receber, do que valorizamos como importante. A fé faz mesmo perceber o que é essencial no meio das limitações da nossa vida. Fica o eco do profeta Habacuc: «Vede como sucumbe aquele que não tem alma recta; mas o justo viverá pela sua fidelidade» (Hab 2, 4). 

A fé, que é necessariamente provada nos cadinhos da vida, gera a fidelidade. Fidelidade aberta ao Outro e não apenas às próprias ideias, porque a vida vive do dom. Gera o reconhecimento do perdão das limitações de cada um e abre ao perdão. Alarga as fronteiras da visão e do coração para conseguir ver mais longe. De facto, o amor constroi-se da convicção de que vida é em relação. Logo, a fé é necessária ao amor. E o amor só se sustenta na fidelidade; logo a fé e a fidelidade não se podem separar.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Os nossos Pais na Igreja

                         

A personalidade de cada um é moldada em grande parte pela vivência dos primeiros anos de vida, sobretudo pelas relações que se estabelecem com os pais. Esta situação é tão evidente que todos somos filhos de alguém e muitas vezes nos apresentamos como filhos. Assim reconhecemos automaticamente que não somos a causa de nós mesmos, mas portadores da vida, sendo para sempre filhos de alguém.

A missão da educação dos nossos filhos significa levá-los ao desenvolvimento de si mesmos. É para isso que os pais muitas vezes se esforçam, corrigem e encorajam os filhos. «Ouve meu filho, as instruções de teu pai» (Prov 1, 8) e ainda «interroga o teu pai e ele te ensinará» (Dt 32, 7) são duas pequenas frases bíblicas que nos fazem reconhecer o lugar que os nossos pais têm na educação dos filhos. Nesta tarefa é essencial apontar aos filhos que Deus continua próximo e presente no meio do seu povo e que jamais nos esquece. Quem assim se descobre amado por Deus, encontra a felicidade e o sentido da sua vida, e que tem a sua pátria nos céus. Estas duas pequenas citações bíblicas dão conta desta consciência, na medida em que despertam a responsabilidade dos pais transmitirem a fé que receberam aos filhos. No mundo bíblico isto era feito sobretudo pela narração daquilo que Deus havia feito pelo seu povo ao longo dos séculos, recorrendo-se muitas vezes a fórmulas rítmicas e musicais, que ainda subsistem entre nós.

Ser filho é também a condição de Jesus Cristo, que se apresenta como o Filho de Deus, que vem revelar que Deus é Pai. De facto, diz um autor antigo que “Não nos foi mostrado que o Pai é Deus, mas Deus é Pai”. Nesta subtil distinção está o centro da nossa vida cristã: somos filhos de Deus e, em Jesus Cristo, podemos tratar a Deus por Pai.

Também a Igreja é marcada pela presença de pais. Os primeiros séculos da vida da Igreja ficaram gravados pelo testemunho e ensino dos apóstolos, que transmitiram a boa nova, ou seja, o Evangelho: Cristo morreu e ressuscitou para a salvação de todos. Este anúncio central da fé constitui o núcleo da missão da Igreja, que foi transmitido aos seguintes, num movimento que se chama de Tradição. A Tradição não diz respeito em primeiro ao modo antigo ou antiquado de fazer isto ou aquilo, mas o núcleo mais essencial da vida cristã: a fé.  

O ensino dos apóstolos foi recebido pelas comunidades, como se percebe pelos livros no Novo Testamento. Mas a vida da Igreja continua até aos nossos dias e perpetua-se na eternidade. Os primeiros séculos deste percurso histórico ficaram marcados por uma série de homens, que rezando, meditando, anunciando e administrando os sacramentos, elaboraram muito do que são as bases da fé como nós as acreditamos hoje. Se cada um de nós não existe sem um pai, também a Igreja não existiria como a temos hoje sem estes homens, que justamente foram apelidados de Padres da Igreja.


Este grupo está limitado geralmente entre os séculos I a V e deles fazem parte aqueles cujo testemunho de santidade, sabedoria e fidelidade ao ensino da fé foi reconhecido eclesialmente. Entre estes constam nomes como os de Santo Agostinho, Santo Ireneu, São João Crisóstomo, São Basílio, São Clemente de Alexandria, entre muitos outros. A abundância, a diversidade e a riqueza de fé e cultura dos seus escritos é muito ampla, sendo muitas vezes estudados por aqueles que não são cristãos. Descobri-los é um empenho grande e ajuda-nos a perceber a radicalidade da nossa fé cristã.

in Ecos da Ria, Março 2014.