São Miguel, Catedral de Granada. O anjo do juízo de Deus.
A aprovação da eutanásia hoje no parlamento português (29-01-2021) traz ao de cima o jogo político. Se na anterior legislatura se chumba porque não há maioria, hoje faz-se a aprovação porque há maioria para isso. Como tal, tudo se reduz a uma questão de maiorias e assim. Aliás, se quisessemos levar a sério a dimensão de representatividade dos deputados, poderíamos concluir que a opinião da maioria dos portugueses mudou diametralmente em 3 anos. São realidades como estas que mostram, que mais do que a representação dos deputados, existem forças que impõem ideologias sempre que podem. Mas diz uma cantiga recente: "a maioria não está sempre certa".
Esta lei traduzir-se-á no provocar da morte a quem se encontre em sofrimento dito insuperável, a pedido do próprio. Reparemos que não é deixar que a morte aconteça, evitando a obstinação terapêutica, mas com um pedido voluntário do próprio ao médico, com mais ou menos etapas este provoca a morte. Esperemos que não deslizemos, como já aconteceu noutros países, para situações em que os médicos "adivinham" o pedido da pessoa, "que nesta situação já só poderia querer a eutanásia", nem fomentemos - e isto irá acontecer - a pressão que sujeita os menos capazes e que pesam à família para alegar um sofrimento psíquico grande para terminar com a própria vida. As leis configuram a sociedade e esta lei acentua a vida humana na lógica da utilidade. Como se sentirá um idoso abandonado pela família, como ouvíamos ainda recentemente?
Com efeito, a eutanásia torna a vida numa lógica de utilidade, quando ela de facto é um dom. Tal como ninguém pede para existir, a ninguém é lícito pedir para morrer. Que direito tem um Estado que aceita a morte a pedido de uma pessoa de impôr hábitos de vida saudável?!
Por outro lado, que legitimidade tem um Estado que não tem os meios para suportar todos os seus cidadãos em sofrimento insuportável, aprovar uma legislação que permita pôr fim à vida de quem está em sofrimento?
É certo que a eutanásia é antes de mais uma questão civilizacional do que uma questão religiosa. Como tal os argumentos que temos de apresentar são do foro racional e tentar evidenciar a sua contradição interna. Mas neste processo, existe um dado que salta à vista, que é o facto desta proposta de lei ser encabeçada por quem se diz católico.
É dado básico da teologia que fé pressupõe a razão e a fé alarga a razão. De facto, Cristo coloca a fé como uma forma de conhecimento de Deus (cf. Jo 17, 3), o mesmo Cristo que revela que não vem revogar o Lei, mas aperfeiçoa-la (Mt 5, 17). E na Lei de Deus, e no Evangelho de Cristo a vida só a Deus pertence; aliás, o cristão é aquele que sabe que a sua vida não vem de si, mas como Cristo, vive para ser amado por Deus e cumprir a Sua vontade (Jo 4, 34).
Na própria bíblia existem relatos em que o próprio crente, diante do sofrimento, chega a deseja a morte, como é o caso de Job. Mas é também claro, que não descurando os dramas humanos, o homem crente acaba por reconhecer que a sua vida vem de Deus e para Ele volta.
Como tal, se na razão facilmente podemos esgrimir argumentos de pós e contra a eutanásia, na fé católica não há dúvidas de que a vida é um dom de Deus, que não pertence à pessoa decidir pôr um fim à sua vida. É por isso aliás, que no último documento da Congregação para a Doutrina da Fé, Samaritanus Bonus, aprovado pelo Papa Francisco, no número 11, se recusa o acesso aos sacramentos, especificamente da Penitência e da Unção dos Enfermos, para quem ser eutanasiado. Não porque a Igreja decida castigar a pessoa, mas é a própria que exclui Deus da sua vida com a sua decisão, na qual o Deus de Jesus Cristo não é o seu deus. Isto não iliba, contudo a Igreja, de sempre se fazer próxima com os meios da misericórdia e de propor a alegria da conversão, como o próprio documento refere.
Não haja dúvidas. Se pela razão se pode considerar a objectividade da vida como discutível, na fé a rejeição da eutanásia é clara. É por isso, que temos de dar suporte racional ao que Deus revela pelas Sagradas Escrituras. Dito isto, como pode alguém que se diz católico ser promotor de uma lei como a eutanásia que contradiz a fé?!