segunda-feira, 3 de março de 2014

Tribulação e prosperidade



São Gregório Magno, sobre o livro de Job (Sec. VI)

(...) Mas o que mais atentamente devemos considerar nas palavras de Job é o grande sentido de discernimento com que reage às imprecações da sua esposa, respondendo: «Se aceitámos os bens da mãos de Deus, porque não havemos de aceitar também os males?» É certamente um grande conforto no meio da tribulação recordarmos os benefícios recebidos do nosso Criador, quando caem sobre nós as adversidades; e não nos deixaremos desanimar pela dor, se imediatamente trazemos à memória a lembrança reconfortante dos dons divinos. Por isso, diz a Escritura «No dia da felicidade não te esqueças da desgraça, e no dia da desgraça não te esqueças da felicidade».

Com efeito, àquele que no tempo da prosperidade perde o temor das calamidades, o bem-estar leva-o à arrogância. Por seu lado, àquele que no tempo da adversidade não procura consolar-se com a recordação dos dons divinos, o seu estado de espírito pode abatê-lo até ao mais profundo desespero.

É necessário, portanto, associar os dois sentimentos, para que se completem mutuamente: a recordação do bem-estar mitiga o sofrimento na calamidade, e a previsão do temor da calamidade modera a alegria do bem-estar.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

São Efrém e o crescimento espiritual



Do Comentário de Santo Efrém, diácono, sobre o Diatéssaron
"A palavra de Deus é fonte inesgotável de vida"

Quem poderá compreender, Senhor, toda a riqueza de uma só das vossas palavras? Como o sedento que bebe da fonte, muito mais é o que perdemos do que o que tomamos. A palavra do Senhor apresenta aspectos muito diversos, segundo as diversas perspectivas dos que a estudam. O Senhor pintou a sua palavra com muitas cores, a fim de que cada um dos que a escutam possa descobrir nela o que mais lhe agrada. Escondeu na sua palavra muitos tesouros, para que cada um de nós se enriqueça em qualquer dos pontos que medita.

A palavra de Deus é a árvore da vida, que de todos os lados oferece um fruto bendito, como a rocha que se abriu no deserto, jorrando de todos os lados uma bebida espiritual. Comeram, diz o Apóstolo, uma comida espiritual e beberam uma bebida espiritual.

Aquele que chegou a alcançar uma parte deste tesouro, não pense que nessa palavra está só o que encontrou, mas saiba que apenas viu alguma coisa de entre o muito que lá está. [...] O que não podes receber imediatamente por causa da tua fraqueza, poderás recebê-lo noutra altura, se perseverares. E não tentes avaramente tomar dum só fôlego o que não podes abarcar duma vez, nem desistas, por preguiça, do que podes ir conseguindo pouco a pouco.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Ponte de Paz


Ponte de paz

Vem Filho do Altíssimo,
Lançar a ponte da luz
Entre o reino de Teu Pai
E a mais funda raiz humana.

Vem príncipe da paz,
Despojar-nos das armaduras
E revestir-nos com as tuas vestes,
Fazer da nossa liberdade,
A ressonância do teu amor.

Vem médico divino,
Levantar-nos com as tuas mãos,
Beijar-nos com o teu olhar,
E rasgar-nos as mordaças
Que nos fazem calar a tua palavra.

Vem coração de Deus,
Inflamar-nos do teu desejo
Insuflar em nós os teus sonhos
E recriar em nós a tua vida.

Vem!



João Ferreira

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Porto

Hipérbole à parte, o senhor é capaz de ter razão:


«O Porto?! (...) O senhor já viu no mundo terra mais linda e gente mais séria? Devo confessar ter-lhe respondido que a respeito da beleza conhecia melhor. Mas, quanto à seriedade, concordei. E acrescento agora que só quem de todo quiser as evidências e apagar o facho de gerações e gerações, é que pode deixar de combater para que esta terra continue a ser o reduto das nossas velhas virtudes, das quais está certamente mais em risco de perder-se a que D. João de Castro sabia que se chamava honradez. (...) O indivíduo que põe num cabelo o valor de todo o corpo, é um ser completo. Da cabeça aos pés, passando pela alma, a sua unicidade não tem fendas, e joga como um bloco maciço. É uma força invencível. Ora se acontece que ele, em vez de se consubstanciar num simples cabelo da cara, polariza o que é na própria terra onde mora, então o perfeito torna-se exemplar, e surgem fenómenos como os do cidadão do Porto, o homem português mais livre, mais progressivo, mais responsável e mais capaz que a nossa pátria deu.»

Miguel Torga, Portugal, pp. 57-58.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tempo e eternidade

Tempo. Eternidade. Os mais antigos lembrar-se-ão do início da série do Star Trek, com os relatos do Capitão Kirk. 


A questão do tempo é para mim fascinante e é a prova de que estamos num permanente devir. O que agora é, já não é, mas ainda assim permanece algo do que é. Penso que S. Agostinho o dizia muito bem quando pensava o tempo passado como a memória, o futuro como a esperança, e o presente é o agora, onde tudo se decide. E em cada agora que o homem, vive estas três dimensões. Não posso deixar de pensar se será verdadeiramente real que o futuro seja visto por todos com esperança. A prática di-lo que não... Mas uma pessoa sem esperança é uma desanimada [des-animada=sem alma]. Sem esperança não há caminho que se comece. Nem meta que se chegue. 

Há uns anos um filme marcou-me - The Dead Poets' society = Clube dos poetas mortos. Quem o viu recordar-se-á dos chavões Oh Capitain, my Capitain e de Carpe Diem, Seize the day = aproveita o dia. Este é hoje o centro da minha reflexão, tema que venho pensando há algum tempo. Roberto Benigni afirma: "‎(...) sente che non vive per il carpe diem, per quelle cose, che è una cosa tristissima; no, vive un attimo eterno: per sempre!" O nosso tempo está informado pela eternidade - daquela que o S. Agostinho descreveu, numa unidade de passado, presente e futuro. Eternidade que necessariamente nos transcende. Karl Rahner dizia que desde que o eterno (Jesus Cristo) tinha entrado no efémero (nosso tempo), todo o nosso tempo estava em Deus. A nossa experiência já não é a de alcançar Deus, mas a de reconhecer que já estamos nesse mesmo espaço. Vivemos em cada dia um novo desafio, mas não vivemos apenas para o dia - vivemos com passos que pisam já a senda da eternidade. Vivemos na liberdade que é a capacidade de fazer algo verdadeiramente irrepetível. Vamos à vida!




Já agora vale bem a pena ver este video, que está em italiano.
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&NR=1&v=4VQ4xqL6mFU [1:42].

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"Na vida, não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e, então, a elas seguem-se as soluções." A. de Saint-Exupéry

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Na vida só há redo, não undo.

Undo, redo.
Dois mecanismos usados nos nossos trabalhos de todos os dias nos processadores de texto, folhas
de cálculo, apresentações...

Mas o que acontece se importamos a categoria virtual do undo para o nosso mundo real? A realidade torna-se virtual.
A plenitude de vida que desejamos passa a ficar limitada à virtualidade. Undo é a pretensão de podermos desfazer uma coisa sem deixar marcas.
A experiência mostra-nos que isso é impossível mesmo em transformações físicas: apenas o esticar de uma corda a enfraquece - todas as coisas que usamos no dia-a-dia têm período de validade. A física teórica aponta-nos que todas as transformações implicam um aumento de entropia do universo (3º Princípio da Termodinâmica).

Também a nossa vida deve ter esta consciência: nada do que fazemos pode ser desfeito. Apenas reparado. Se não temos bem consciência disto, cai-se numa alienação de viver na expectativa de poder sempre voltar atrás.

Na nossa vida só existe de facto - a nível da acção - do e redo. Do é dinamismo de um esforço, com sentido, que é começado, ao passo que redo é o dinamismo que permanece em tentativa de melhorar, aprofundar, superar, perseverar.

Que alicerce pode iniciar um esforço? Muitos serão. Entre eles estará o desejo de superação, a necessidade de procurar um sentido para a existência, a partilha do dom que cada um é, a concretização do amor por algo que supere a inércia que brota do desânimo, do se resignar à aparência do sem-sentido, de se deixar apenas ficar no undo, ou pior pensar que nele se pode ficar.