quarta-feira, 19 de março de 2014

À alma na quaresma

Dá tempo neste tempo
Para te demorares na Presença
e mergulhares na radical fonte
donde brota a água pura.

A força do seu caudal
fará soltar as tuas areias
e amaciar as rugosidades do espírito
para não ferirem os pés do Visitante

Mas sabe que nem isso O detém
no desejo de te seduzir.
Vai com Ele sem demora
E deixa-te cortejar.

E em ti se fundaram os sentimentos
que anseias ver crescer
Em novo aposento entrarás
abraçada pelo Irmão dos homens.

João Ferreira 

segunda-feira, 3 de março de 2014

Tribulação e prosperidade



São Gregório Magno, sobre o livro de Job (Sec. VI)

(...) Mas o que mais atentamente devemos considerar nas palavras de Job é o grande sentido de discernimento com que reage às imprecações da sua esposa, respondendo: «Se aceitámos os bens da mãos de Deus, porque não havemos de aceitar também os males?» É certamente um grande conforto no meio da tribulação recordarmos os benefícios recebidos do nosso Criador, quando caem sobre nós as adversidades; e não nos deixaremos desanimar pela dor, se imediatamente trazemos à memória a lembrança reconfortante dos dons divinos. Por isso, diz a Escritura «No dia da felicidade não te esqueças da desgraça, e no dia da desgraça não te esqueças da felicidade».

Com efeito, àquele que no tempo da prosperidade perde o temor das calamidades, o bem-estar leva-o à arrogância. Por seu lado, àquele que no tempo da adversidade não procura consolar-se com a recordação dos dons divinos, o seu estado de espírito pode abatê-lo até ao mais profundo desespero.

É necessário, portanto, associar os dois sentimentos, para que se completem mutuamente: a recordação do bem-estar mitiga o sofrimento na calamidade, e a previsão do temor da calamidade modera a alegria do bem-estar.