quinta-feira, 24 de abril de 2014

Os nossos Pais na Igreja

                         

A personalidade de cada um é moldada em grande parte pela vivência dos primeiros anos de vida, sobretudo pelas relações que se estabelecem com os pais. Esta situação é tão evidente que todos somos filhos de alguém e muitas vezes nos apresentamos como filhos. Assim reconhecemos automaticamente que não somos a causa de nós mesmos, mas portadores da vida, sendo para sempre filhos de alguém.

A missão da educação dos nossos filhos significa levá-los ao desenvolvimento de si mesmos. É para isso que os pais muitas vezes se esforçam, corrigem e encorajam os filhos. «Ouve meu filho, as instruções de teu pai» (Prov 1, 8) e ainda «interroga o teu pai e ele te ensinará» (Dt 32, 7) são duas pequenas frases bíblicas que nos fazem reconhecer o lugar que os nossos pais têm na educação dos filhos. Nesta tarefa é essencial apontar aos filhos que Deus continua próximo e presente no meio do seu povo e que jamais nos esquece. Quem assim se descobre amado por Deus, encontra a felicidade e o sentido da sua vida, e que tem a sua pátria nos céus. Estas duas pequenas citações bíblicas dão conta desta consciência, na medida em que despertam a responsabilidade dos pais transmitirem a fé que receberam aos filhos. No mundo bíblico isto era feito sobretudo pela narração daquilo que Deus havia feito pelo seu povo ao longo dos séculos, recorrendo-se muitas vezes a fórmulas rítmicas e musicais, que ainda subsistem entre nós.

Ser filho é também a condição de Jesus Cristo, que se apresenta como o Filho de Deus, que vem revelar que Deus é Pai. De facto, diz um autor antigo que “Não nos foi mostrado que o Pai é Deus, mas Deus é Pai”. Nesta subtil distinção está o centro da nossa vida cristã: somos filhos de Deus e, em Jesus Cristo, podemos tratar a Deus por Pai.

Também a Igreja é marcada pela presença de pais. Os primeiros séculos da vida da Igreja ficaram gravados pelo testemunho e ensino dos apóstolos, que transmitiram a boa nova, ou seja, o Evangelho: Cristo morreu e ressuscitou para a salvação de todos. Este anúncio central da fé constitui o núcleo da missão da Igreja, que foi transmitido aos seguintes, num movimento que se chama de Tradição. A Tradição não diz respeito em primeiro ao modo antigo ou antiquado de fazer isto ou aquilo, mas o núcleo mais essencial da vida cristã: a fé.  

O ensino dos apóstolos foi recebido pelas comunidades, como se percebe pelos livros no Novo Testamento. Mas a vida da Igreja continua até aos nossos dias e perpetua-se na eternidade. Os primeiros séculos deste percurso histórico ficaram marcados por uma série de homens, que rezando, meditando, anunciando e administrando os sacramentos, elaboraram muito do que são as bases da fé como nós as acreditamos hoje. Se cada um de nós não existe sem um pai, também a Igreja não existiria como a temos hoje sem estes homens, que justamente foram apelidados de Padres da Igreja.


Este grupo está limitado geralmente entre os séculos I a V e deles fazem parte aqueles cujo testemunho de santidade, sabedoria e fidelidade ao ensino da fé foi reconhecido eclesialmente. Entre estes constam nomes como os de Santo Agostinho, Santo Ireneu, São João Crisóstomo, São Basílio, São Clemente de Alexandria, entre muitos outros. A abundância, a diversidade e a riqueza de fé e cultura dos seus escritos é muito ampla, sendo muitas vezes estudados por aqueles que não são cristãos. Descobri-los é um empenho grande e ajuda-nos a perceber a radicalidade da nossa fé cristã.

in Ecos da Ria, Março 2014.